Nesta segunda-feira Várzea Alegre fica mais radiante ao poder comemorar os 90 anos de João Alves de Lima (João Francisco). Ex-prefeito da cidade, poderia até carregar na bagagem um fardo de orgulho como muitos conseguem fazer. Porem João prefere manter um velho e bom chapéu de palha na cabeça e desfilar pelas ruas da cidade fazendo o que para ele há de melhor brincar com os amigos.
Sem nenhum pudor veste sua bermuda coloca um par de sapatos
em couro bota o chapéu a camisa social e lá vai ele pelas ruas fazendo
caminhada e tratando os amigos que encontra pelo caminho com frases como: “Velho
só presta para fazer medo a menino”. Dentre outras que costume dizer com
aqueles que como ele já atingiram a terceira idade.
Mais pesquisando no site do município vamos deixar que
você leitor conheça um pouco mais do legado do João do povo.
Homenageado com a medalha Papai Raimundo. |
O tempo sabe tão bem consagrar histórias e, talvez
ousado pelo destino de narrar fatos importantes, finca mensagens vivas e faz
nascer personalidades tão sublimes. Desta feita, é registrado aqui um breve e
sucinto capítulo da história de João Alves de Lima. Ele que alcança, com a
graça de Deus, numa caminhada de alegria e bondade, 80 anos de idade.
É tempo, então, de falar da
trajetória do aniversariante, começando pelo seu nascimento, às cinco horas da
tarde do dia 30 de novembro de 1925, numa casa modesta do sítio São Vicente.
Como afirmaria o respeitado jornalista Sebastião Nery, João, filho do terceiro
casamento do pai, José Alves de Lima, e do segundo casamento da mãe, Balbina
Alves de Lima, estava chegando ao mundo não a passeio, mas a trabalho. E muito
trabalho, é oportuno que se ressalte. O pôr-do-sol, naquela data, estava
coincidindo com o alvorecer de uma vida que, neste 30 de novembro de 2005, pode
ser festejada como um exemplo de inteligência, persistência e fraternidade.
Aos cinco anos de idade, João
Francisco vê o pai partir para o mundo dos justos. Cresce, então, juntamente
com a mãe e os irmãos Maria e Miguel. Acontecimento tão triste gera uma
situação ainda mais difícil, levando João a iniciar-se na lavoura cedo ainda,
para contribuir no sustento da família. Mesmo assim, insistiu em procurar a
escola e desafiar a pobreza. Estudou 19 meses com a professora Adelaide Costa.
Ali havia concluído a educação formal, obrigando-o a completar a sua
aprendizagem no mundo e nos livros. Ficara para trás o sonho de ingressar na
Marinha do Brasil.
Restou-lhe como alternativa
permanecer no São Vicente, executando as tarefas do campo (preparo da terra,
plantio, colheita, etc).
Na ausência da escola (imposta
pelos obstáculos financeiros), buscou consolo nas brincadeiras inerentes a
qualquer menino no meio rural: armar arapucas para capturar animais, matar
preás, tomar banho de açude, etc.
Em 1940, João Francisco dá mais
um passo conduzido pela virtude da esperança, que nele sempre se manteve
sólida. Passou a residir na rua (como se diz na linguagem simples de Várzea
Alegre), ou seja, na cidade, trocando, desse modo, a pessoa que lida na roça
pelas funções de vendedor no estabelecimento comercial do irmão Joaquim
Francisco. Ganhou, pois, formalmente o seu primeiro emprego, no qual já viria a
mostrar a disposição e a coragem que nele iriam se aprofundar como qualidades
definitivas, aliadas a tantas outras. Já se revelava naquele rapazinho de 15
anos o homem que sempre conseguiu vencer desafios e superar as limitações da
vida.
Garantidas, na cidade, as
condições estáveis para o trabalho como comerciário, resolveu aos 17 anos
trazer para morar com ele a mãe e os irmãos. Foi por esta época, que sentiu
crescer nele uma inclinação, até hoje muito forte, para o exercício permanente
da leitura. Gosta de recordar que, um certo dia, saiu com sua mãe e, ao fazer
uma compra, o balconista ultilizou jornal para a embalagem. João pediu, no ato,
que a mãe adquirisse o resto daquele jornal, a fim de que pudesse lê-lo quando
chegasse em casa. Nessa busca por uma leitura mais intensa e mais constante,
associou-se a uma biblioteca instalada em Várzea Alegre com um acervo de cinco
mil volumes. Nem precisa lembrar que aquelas estantes abarrotadas acabaram se
constituindo num verdadeiro tesouro, para ele, que leu praticamente todos
aqueles livros. Estava pavimentado o quilômetro inicial de um longo caminho
para o mundo da leitura, que ele percorre até hoje com sofreguidão. Podemos
seguramente salientar que se trata de seu passatempo predileto, juntamente com
as palavras cruzadas.
Em 17 de junho de 1949, João
Francisco, impulsionado a crescer em todos os aspectos, decidiu desenvolver o
seu espírito associativista e ingressou na Loja Maçônica de Cedro. E a cada
quinzena, apesar dos empecilhos financeiros, ia e voltava do Cedro pedalando
sua bicicleta. Era uma demonstração de amor à causa maçônica, num engajamento
que viria a ensejar na década de 1980, o movimento vitorioso para que ele
arregimentasse vários conterrâneos e com eles fundasse a Loja Maçônica de
Várzea Alegre. Esses amigos, num gesto de reconhecimento às suas convicções
maçônicas, o elegeram Venerável da loja instalada em Várzea Alegre. Esse
entusiasmo com a vida social já vinha de outros períodos. Antes, talvez como
forma de voltar mentalmente ao período difícil do pequeno trabalhador da roça,
incentivou o funcionamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Várzea
Alegre. Em 1965, foi um dos 28 fundadores do Lions Clube de Várzea Alegre, onde
exercera todos os cargos de diretoria. Ainda na década de 1960, seria um dos
líderes da campanha que resultou na instalação da primeira agencia bancária da
cidade, a do BEC (Banco do Estado do Ceará). Atuaria ainda como um apoiador dos
principais eventos sociais e culturais do Município, entre os quais não
poderíamos omitir as inesquecíveis semanas universitárias. Em 1973, reafirmaria
esse compromisso com o social, elegendo-se o primeiro tesoureiro do Clube
Social Recreativo de Várzea Alegre – CREVA.
Enfatizado esse aspecto marcante
da personalidade de João Francisco, retomamos a ordem cronológica de sua vida,
tão bem aproveitada. Recuamos mais exatamente a 1950, ano que lhe propiciou
experiências novas. Em 1950, percorreu considerável parte do Município, a
serviço do então Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, hoje fundação
IBGE, na realização do recenseamento nacional daquele ano. Também em 1950,
montou o seu estabelecimento empresarial, uma fábrica de bebidas, que, pela
excelência dos produtos, haveria de render-lhe, mais que a subsistência, o
título de maior fabricante de bebidas da região. Com as essências e outros
insumos comprados em freqüentes viagens ao Crato, durante muitos anos, preparou
com carinho as zinebras, vinagres, jurubebas, e notadamente o seu badalado
‘’Conhaque de Alcatrão de São João da Farra, título que não significava
propriamente um desrespeito a um dos santos mais estimados pelos brasileiros,
mais sim, mais uma manifestação do espírito irreverente do fabricante. Trazia
no rótulo a insinuação de que o conhaque era muitas vezes usado numa animada
farra……
Também em 1950 partiria para uma
nova fase em sua vida, casando-se em 25 de dezembro com a jovem Antonia Alves
de Lima. Desse casamento, tiveram 9 filhos,15 netos e 4 bisnetas. Por sinal,
como chefe de família, nunca descuidou do atendimento às necessidades dos
filhos, zelando, sobretudo, pela educação deles, a ponto de ter sido um dos
primeiros cidadãos varzealegrenses a alugar casa em Fortaleza, exatamente para
oferecer a todos eles a chance de prosseguimento dos estudos, que, naquela
época, em Várzea Alegre, esbarravam na quarta série do antigo Curso Ginasial.
Como se não bastasse, pelo exemplo concreto, pelo fazer (que vale mais do que o
dizer), fez de cada filho um apreciador da leitura, o que, aliás, tornou mais
fácil para cada um a opção profissional e o restante de suas vidas.
Chegou o ano de 1959, que veio
encontrar um João Francisco já na condição de um dos maiores autodidatas que
Várzea Alegre já teve, graças ao empenho constante na leitura, conhecendo com profundidade
obras de autores como Machado de Assis, Monteiro Lobato, Humberto de Campos,
Dostoievski, Camilo Castelo Branco, Saint-Exupéry e tanto outros. Essa auto
capacitação deu-lhe segurança para que, em 1959, se tornasse Escrevente do
Cartório do Primeiro Ofício, cargo no qual permaneceria até 1979. Em 1980,
amadurecido no conhecimento do Direito (efeito não apenas das leituras, mas
também da vivência como Escrevente), passou a Tabelião. Prosseguiu agora no
principal cargo do Cartório, com a mesma dignidade de antes, zelando pela
correção nos serviços, colaborando com juizes e promotores, optando, enfim,
pelo maior atendimento possível à coletividade.
Nas décadas de atuação no
Cartório, não por descriminação e sim pela grandeza do seu coração, fez uma ‘’opção
preferencial pelos pobres’’, dispensando, em muitos casos a cobrança pelos
serviços prestados. No respeito às dificuldades alheias, em muitas
oportunidades, muitas vezes em finais de semana, chegou a percorrer léguas e
mais léguas rumo a localidades do Município, unicamente para colher, em enormes
e pesados livros do Cartório, assinaturas que as pessoas (por doenças ou outros
motivos justos) não tinham como faze-lo na sede do Cartório, localizado na
nossa sempre lembrada Rua Major Joaquim Alves.
Essa maneira de fazer da
solidariedade uma opção de vida o transformou numa das pessoas mais populares
de Várzea Alegre, de tal modo que, em 1988, estimulado pelos seus conterrâneos,
disputou e conquistou a Prefeitura de Várzea Alegre. ’’João do Povo’’ foi o slogan
que utilizou na campanha vitoriosa. Uma vez prefeito, empossado em janeiro de
1989, quis e conseguiu ser um dos melhores administradores da história de
Várzea Alegre. A eleição havia sido uma resposta dos varzealegrenses à sua
generosidade, sobretudo, para com os mais carentes, os mais sacrificados, os
mais prejudicados pelas desigualdades do nosso cruel modelo econômico. O seu
triunfo nas urnas, apesar de não ser um militante político, não surpreendeu,
mesmo porque a sua popularidade já havia se refletido na quantidade dos seus
afilhados de batismo, que atingiu a marca impressionante de 625. Sempre se
portou como um padrinho efetivamente, não somente desses 625 afilhados, mas do
conjunto dos desafortunados da “Terra do Arroz”.
Na imponderabilidade da vida, a
década de 1990 teve início com o afastamento definitivo entre João Francisco e
Antônia Alves de Lima. Conjuntura inesperada. Ele procurou redefinir seus
rumos, unindo-se em abril de 1994, a Dalva Ferreira. Também renasceu nele o
compromisso com a missão de criar e formar, pois com Dalva teve, em 1996, uma
filha, Raianne.
Assim é João Francisco: humilde;
sábio, discreto; homem valente sem ser rude; ’’animal político”, na expressão
do sábio grego Aristóteles; indignado com as injustiças sociais; amado e
amável; sempre inteligente e de raciocínio rápido; jovem aos 80 anos, como se,
definitivamente, tivesse rasgado todos os calendários. Personalidade marcante,
motiva todos nós, neste instante de tanta graça, a reverenciá-lo e a agradecer
a Deus pelo belo “ser”, cujos 80 anos fazem uma festa grandiosa não apenas para
ele, mas para toda a Várzea Alegre, que o estima, que o admira, que o respeita
e deseja ver o seu nome inserido na história que ele, nesses oitenta anos, tem
ajudado a construir.
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